sábado, 2 de junho de 2012

A Barraqueira do Jd. Jacira - Pinheiros


Episódio de hoje: A Barraqueira do Jd. Jacira - Pinheiros

Cirlene. Cirlene era uma mulher do pavio curto, bem curto. Sua mãe sempre falava: como pode ser assim tão nova? Desse jeito você não dura muito não minha filha, amansa!

Ela era o tipo de Maria Zang, mulé braba, gíria da Zona Sul. 
Ao alto dos seus 36 anos, Cirlene só tinha um ponto fraco, seu namorado Ronaldo. Ele acalmava Cirlene falando baixo, era quase magia negra. Só não conseguiu convencê-la de casar. Cirlene dizia que não ia ficar passando, cozinhando e cuidando de casa não. Ela era cabeleireira e fazia uma unha como ninguém, estragar suas mãos com produtos de limpeza seria o fim.
Cirlene trabalhava num salão em Pinheiros, alí perto do Largo da Batata e não tinha paciência nenhuma com o transporte público até lá. Logo de manhã ela achava um absurdo mãe com criança grande pedir lugar pra sentar, idoso pegando ônibus em horário de pico.

- Agora era só o que me faltava, levantar pra bonita sentar quesse muleque grande, não não!

Como Cirlene pegava o ônibus no mesmo horário as pessoas em maioria já se conheciam, sabiam que ela era geniosa e que não precisava de muito pra armar um barraco.

Certa vez um desavisado sentou ao lado dela, o fone de ouvido do rapaz parecia estar ao contrário, ouvia-se tudo que o jovem, que aparentemente ia a uma entrevista de emprego, estava ouvindo. Uma mistura de cornetas e vozes de moleques com uma batida repetitiva, era o funk, Cirlene gostava é de forró.

Ela olhou uma, e sem esperar a terceira virou pro pobre magrelo desengonçado de social e no segundo olhar disse:
- Seu sonho é ser DJ meu filho? Acho lindo que esteja de fone, mas assim, não resolveu. Você vai abaixar essa merda porque eu tô com dor de cabeça!

Grossa, ela fazia um olhar de louca que alí, dentro de um ônibus apertado convencia qualquer em não bater de frente nem contrariar.
Os passageiros arregalavam os olhos, permaneciam calados. Ela nem olhava procurando aprovação ou apoio, o papo era reto e curto. Voltou a abraçar a bolsa caramelo que ganhou de Ronaldo, escorregou no banco e repousou os olhos marcados de delineador.

Se sua mãe não te deu educação, Cirlene dava! Um pensamento fixo que a relaxava. O ônibus era pura paz.

Um dia ela ficou até mais tarde no salão, fez o cabelo de duas parentes da dona que iam a um casamento, fez o trabalho perfeitamente, mas o tempo todo com a boca torta, apertando bem os lábios pra não deixar escapar nenhuma grosseria.

Acabou, sem muitas palavras pegou suas coisas batendo portas de armários, fazendo barulho com a chave, nervosa procurava o bilhete único. Detestava gente que deixava pra procurar o bilhete na bolsa em frente à catraca. 

Disse: "até amanhã" pra dona, bem seco, sem olhar. Colocou a bolsinha na transversal e foi pro ponto, putadavida! Balançava a cabeça com reprovação, se sentia mal, explorada. No ponto de ônibus não olhava pra ninguém, existia ela e a rua que esperava vir o danado do ônibus, contava as vezes que o farol abria e fechava. Veio um, como ela se distraiu com o farol deixou pra dar sinal em cima, ele não parou.

Cirlene ficou revoltada! Xingou todas as gerações do motorista. Brigou com os pedestres: " ninguém viu ele chegando? Justo hoje que tô aperriada! Servem pra nada mesmo!" Mas ela não chorava, Cirlene só chorou no enterro do pai e naquela novela que tinham depoimentos no final.

Logo atrás veio outro, certamente o primeiro motorista passou reto pois sabia disso.
Cirlene já entrou no ônibus gritando, aquele cachorro passou reto, que palhaçada é essa? O motorista encolhia o pescoço esperando um espaço de silêncio pra dizer alguma coisa, nem sabia o quê ainda.

Ela foi o caminho todo reclamando, fisgava qualquer olhar pra começar o diálogo, na verdade, o monólogo.
O sangue fervia, era sangue da Paraíba, daqueles bem quentes. Ela desceu, faltava algo.... celular, bolsa, sacolinha.... tudo alí. Na verdade Cirlene sentiu que estava sobrando coisa, era o desaforo. Voltou ao ponto e pegou outro ônibus até o ponto final. Os olhos apertavam de raiva, o delineador já estava fraco e levemente borrado.

Chegou lá louca procurando qualquer motorista gordinho e careca, foi o que ela conseguiu enxergar do ônibus em movimento que nem se esforçou em frear para ela.
Achou, foi fácil, ele estava escorado numa cabine tomando café com um croquete na outra mão.
- Escutaqui seu verme, eu vou ter que te ensinar a fazer o seu serviço agora?
- Desculpa senhora, não tô lhe entendendo.
- Vai entender, se você deixou de parar em apenas um ponto vai entender, eu sou a palhaça que estava lá, cansada, em pé e que queria voltar logo pra casa!

O homem sentiu o perigo, ela claramente estava desapegada de qualquer medo, pronta pra cair na briga.
Veio o cobrador, baixinho, magrinho com um sorrisinho permanente no rosto.

- Calma senhora! Como se aquilo fosse nada. Pra Cirlene era.

Ela só virou e olhou, o pobre rapaz quase se mijou de susto imaginando: "só pode tá possuída" .

Veio o Fiscal, ela disparou:
- Era com o senhor mesmo que eu queria falar, vocês colocaram esse cretino na rua e ele não faz o serviço dele direito, eu tô aqui porque não sou otária, vocês precisam é de uma ordem nessa linha!

~ ~Se sua mãe num deu educação, Cirlene dava! ~ ~

Rolou mais um bate boca com o fiscal, os colegas afastaram o motorista realmente temendo que algo pudesse acontecer, a mulher parecia doida e doida assim na periferia dava até medo, essa confiaça só podia ser de mulher de bandido, traficante.... Ronaldo trabalhava numa assistência técnica de máquinas de lavar roupa.

Os boatos correram, chegou num primo de Ronaldo que tinha uma sinuca alí perto e logo ligou pra avisá-lo. Ele que estava há 20 minutos dalí foi buscá-la. A matraca não parava, o dedo na cara, falando alto, insultando pessoas, parentes dos envolvidos. 

Ronaldo chegou como um foguete, desceu do carro e gritou: "CI!"
Foi quase um transe, a fisionomia dela mudou, ele chegou, a abraçou. Ela começou a chorar.
Falava baixinho que se sentiu desrespeitada, e só fez o que seu pai teria feito por ela.

Ronaldo abriu a porta do passageiro, levou Cirlene pra casa, no caminho ligou pra cancelar a última visita técnica que faria.
Ela voltou quietinha, olhos mansos olhando muros pichados, esperando chegar em casa pra ter sua primeira briga com Ronaldo. Ronaldo pensava em como ia terminar o namoro.

[C]





4 comentários:

Unknown disse...

Essa merecia um final tragico pra servir de exemplo

Mari Siroky disse...

Ônibus e metro cada passageiro um sofrimento!!

Leila disse...

Poutz, Cirlene... ninguém aguenta, né?! Triste...

Michele Sibille disse...

dei muita risada.....rs..