sábado, 25 de abril de 2009

Ontem

Moro em um bairro residencial, daqueles que os vizinhos se conhecem, daqueles que as crianças brincam na rua, daqueles que se faz festinha em quintal e se conversa na calçada. Tem um menininho que mora aqui, que praticamente peguei no colo. Ele era vizinho de uma amiga e uns 8 anos mais novo que nós. Quando conversamos na calçada da minha amiga e o víamos andando de skate, magrelinho, pivetinho e risonho tínhamos certeza de que quando fosse grandinho ia continuar lindo e "pegaria" o bairro todo.
Ele cresceu, continua magrelinho e ontem encontrei com ele na Vila Madalena. Aparentemente nem me reconheceu direito, não pq eu tenha mudado muito (tenho a mesma cara de sempre) mas pq ele mudou, e muito. Me reconheceu assim que eu disse o nome dele, do mesmo jeito que eu falava há anos atras, no diminutivo, me comprimentou e me ofereceu um gole da bebida dele e meus olhos se encheram de lágrimas.
Aquele menino que pegaria o bairro todo está completamente destruído. Apesar de muito novo acho que já usou mais drogas do que uma banda de rock junta. Os dentes dele estão destruídos, ele não consegue se concentrar em uma conversa e fala coisas desconexas. Eu juro que nunca vi nada parecido, mas a voz dele está bizarra, tipo tio patinhas, meio fanho, mas só que com a voz fininha, num sei, nada parecida com a voz que eu lembrava. Fiz perguntas claras, tipo: como tá seu pai? e ele: pai? qual? o meu? num sei, num vi ele hoje!
Coisa de chorar. Peguei a namoradinha dele de orelhada, falei que ela podia me ligar a hora que fosse, que eu imagino como pra ela também é difícil, que eu peguei ele no colo, e comecei papo de tia velha bêbada: peguei no colo, ele era tão lindo, o pai dele é tão legal, jurava que ia ficar mó gatão...aquelas coisas. Ela me contou coisas que só me chocaram mais, que eles sofreram acidente de carro, que ela foi buscar ele na favela, que ele liga de madrugada e diz que vai se matar e que ela não termina com ele por dó, pq tem medo dele morrer.
Nos despedimos, eu fui pra outro bar e não sei o que aconteceu, pra onde eles foram ou se ele dirigiu.
Eu tive amigos muito próximos que perderam pras drogas. Perderam vida, perderam respeito, perderam tudo. Tenho uma grande amiga que se livrou e que luta todo dia contra a droga. E agora vejo, uma criança completamente destruída. Pensei em muitas coisas, se poderia ajudar, se deveria, se a namorada dele me ligaria, tive até pesadelo, mas o que mais pensei foi como o livre-arbítrio pode ser muito cruel. E como talvez se naquele dia, naquele primeira vez, ele não tivesse experimentado, tivesse ido embora e desencanado, hoje talvez ele seria lindo e pegaria o bairro todo, assim como eu e minhas amigas tínhamos previsto.

Tha!

4 comentários:

jp disse...

É um historia triste, tem medo de pessoas que são queridas se perderem nesse mundo...fico punto qdo alguém oferece para uma pessoa provar algum tipo de droga, e muitas pessoas sentem orgulho disso, incentivam.... é triste, o mundo seria bem melhor sem drogas, acho q talvez a "fuga" seria outra, mas em um mundo dos sonhos não existiria...

Embora o texto seja triste, me deixou feilz ler algo q vc escreveu, e muito bem!


bjo

Dimas disse...

Triste:(... Torço para que esse garoto ainda possa recuperar, pelo menos o sorriso bonito e sincero.
Abstraindo isso, belo texto, Tha...

.Cidão. disse...

Desde sempre eu tenho contato indireto com essas situações, e sempre tive uma sensação de angústia muito grande, tão grande que sempre tive a cabeça feita em não me envolver e usar drogas. Também conheci pessoas assim, que morreram, que se recuperam, que estão envolvidos, que estão entrando agora...fiz de tudo por um amigo que quase se afundou em uma dessa, o adotei como irmão mesmo, e ainda bem que ele sabendo q tinha alguém que estava alí apostando nele hoje ele tá muito bem!!!

JP! Vc falou que ia comentar meu texto legal, não esquece hahaah!

Chris Miranda disse...

Só uma palavra descreve meu coração neste momento: angústia!
O mais loko de tudo é que toda essa podridão funciona como uma sistema igual a todos os outros. É um ciclo e se você está em contato acaba de uma forma ou de outra ajudando a movimentá-lo.
Adoro Tropa de Elite, não só pelo Super Capitão Nascimento...mas por trazer essa metodologia de raciocínio sobre o sistema das drogas e de como a sociedade é hipócrita. O maconherinho é tão contribuidor para este sistema quanto o cheirador.
Penso nisso quase em todos os meus momentos de pensamento livre. É a velha e boa pergunta: o que eu estou fazendo para ter um mundo melhor para os meus filhos?